Após a Segunda Guerra Mundial o mundo ficou marcado pelas atrocidades e pelos horrores do conflito. Com o intuito de garantir paz ao mundo, 51 países enviaram delegados à Convenção de São Francisco-EUA para a discussão e a elaboração da Carta das Nações Unidas.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, fruto deste consenso universal, foi o primeiro texto internacional a contemplar a igualdade de gêneros. A foto de Eleanor Roosevelt segurando a Declaração tornou- -se um ícone histórico. A primeira dama do mundo, foi uma grande força em favor dos direitos humanos e por mais de 70 anos lhe foi creditada a inclusão do termo “mulher” no texto da ONU.
O reconhecimento também foi estendido às quatro únicas mulheres, dentre os 850 delegados que participaram das discussão da Convenção de São Francisco: a brasileira Bertha Lutz, a dominicana Minerva Bernardino, a americana Virginia Gildersleeve e a chinesa Wu Yi-fang.
Recentemente, a história ganhou uma nova versão. Em 2016 duas pesquisadoras da Escola de estudos ocidentais e africanos vinculadas à Universidade de Londres, Fátima Sator e Elise Luhr Dietrichson trouxeram à luz uma verdade ofuscada.
Segundo documentos encontra- dos pelas pesquisadoras, as verdadeiras responsáveis por incluir a igualdade de gênero no texto da ONU foram a brasileira Bertha Lutz e a dominicana Minerva Bernardino. Em luto, Eleanor Roosevelt sequer compareceu ao evento, e a Americana Virginia Gildersleeve era desfavorável às ideias de Bertha e considerava vulgar qualquer pleito em prol das mulheres.
Bertha Lutz, bióloga paulistana, estudou em Sorbonne, na França, onde acabou se familiarizando com as ideais feministas. Participou ativamente na luta pelo direito ao voto feminino no Brasil e foi escolhida para compor a delegação brasileira para trabalhar em prol da igualdade de gênero.
A brasileira lutou pela inclusão da terminologia “mulher” no texto da Declaração para estabelecer expressamente a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres. A omissão poderia ocasionar retrocesso aos direitos conquistados, e naquele contexto histórico significava proteger o direito ao voto feminino recentemente reconhecido e consolidar o caminho para novas demandas.
Até 1962 as mulheres casadas precisaram de autorização dos maridos para trabalharem, não tinham direito à herança ou direito à guarda dos filhos em caso de separação. O direito de se divorciarem só foi alcançado em 1977 e o reconhecimento constitucional da igualdade de gênero só foi contemplado em 1988.
No tocante à demanda por igualdade de direitos, os primeiros registros remontam o período colonial. Segundo Luiz Alves Mattos em seu livro: Primórdios da educação no Brasil, em 1552 Padre Manuel da Nobrega levou à corte o pedido dos indígenas para oferecer educação escolar para as meninas (à época exclusiva aos meninos). A sociedade indígena considerada “incivilizada” lutou antes de Portugal e da França pela igualdade de gênero, sem sucesso, a subjugação dos brasileiros originais custou 300 anos de exclusão feminina nas escolas.
No entanto, a grande pergunta é: por que Bertha e Minerva foram ofuscadas?
A resposta está justamente na herança colonialista que criou um estigma de inferioridade do brasileira em favor de um ideal coletivo de que só é bom o que vem de fora.
É preciso reconhecer as capacidades e qualidades dos brasileiros, a começar por Bertha Lutz. Afinal, se hoje as brasileiras podem votar, trabalhar e lutar pelo reconhecimento de seus direitos, muito se deve ao trabalho dessa mulher, latina, cientista, feminista e brasileira.
MATTOS, Luiz Alves de. Primórdios da educação no Brasil – o período heroico (1549 a 1570). Rio de Janeiro: Gráfica Editora Aurora Ltda, 1958. P.88 A 92.
Por Nathália Hovsepian de Souza
Coluna publicada na terça-feira, 29 de junho de 2021, no Jornal Diário de S.Paulo.