“Diante de tais relatos, a conclusão deve ser única: no sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. (…) Os presos tornam-se “lixo digno do pior tratamento possível”, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre. Daí o acerto do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na comparação com as “masmorras medievais”.”
Este é um dos trechos do importantíssimo precedente exarado no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 347, no qual o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a situação prisional no país um “estado de coisas inconstitucional”, com “violação massiva de direitos fundamentais” da população prisional, por omissão do poder público.
Sim, a coluna dessa semana irá falar de um dos assuntos mais difíceis e cercado por um tabu. Encarceramento. Não é à toa que o Senado Federal em 2017 afirmou que a desconfiança e o preconceito da sociedade civil dificultam a ressocialização daquelas sob a custódia estatal.
Até porque todos sabem do problema, já que, conforme dados informados pelo Conselho Nacional de Justiça e de acordo com o relatório orçamentário do Fundo publicado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em 2016 e 2017, foram repassados aos fundos penitenciários de estados e municípios R$ 1,48 bilhão e R$ 997 milhões, respectivamente; e, mesmo assim as deficiências das condições de encarceramento e os desrespeitos aos direitos humanos da população sob custódia permanecem e, em contrapartida, ainda temos altos índices de criminalidade.
Especialmente diante da situação da pandemia, no qual o próprio CNJ, por meio da Recomendação 62/2020, recomendou aos tribunais do país que evitassem de aplicar medidas de internação a jovens infratores e optassem, ao invés, por medidas socioeducativas para evitarem o risco de contágio. As condições deste sistema possibilitaram um aumento na propagação do vírus em 190% no período de um ano.
Está claro que o modelo prisional brasileiro, no momento em que se encontra, está falido, criando este estado de coisas inconstitucional, no qual uma instituição que tinha a finalidade de reinserir o ser humano na sociedade é comparada a uma “masmorra medieval”.
E como resolver essa situação problemática, especialmente diante do tabu que esse assunto traz? Neste ponto, cabe exaltar a pesquisa do Prof. Mestre Henrique Ramidoff, sobre a concessão de serviços penitenciários: responsabilidade patrimonial e compliance, no qual, ele consegue provar que é possível a atividade unida da sociedade civil e do Estado na resolução deste problema. É sim possível que o Estado cumpra com seus deveres e que o conceito de empresa e de cidadania podem e andam juntos. Através de sua pesquisa se provou que é possível a existência de um sistema carcerário no qual todos façam a sua parte para não deixar ninguém para trás.
O Prof. Ramidoff conclui suas pesquisas por demonstrar a possibilidade e pertinência da concessão dos serviços carcerários para agentes econômicos privados, a fim de melhorar a situação.
Não podemos ignorar este grave problema e, lembrem-se, como Dostoiévski escreveu: “É possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões”.
Coluna publicada na terça-feira, 31 de agosto de 2021, no Jornal Diário de S.Paulo.